E agora Carlos

E agora Carlos! O relógio da matriz badalava dezoito horas. Era uma tarde ensolarada de janeiro. O ano de 1971 mal começara. Até então dos anos 60 aos 70 tinha sido um período leve, Carlos dedicara-se especialmente aos estudos. A cidade em que morava era aconchegante, cada rua, cada esquina pra ele tinha toda uma história que o acompanharia pro resto dos seus dias. A família mudara-se para ali quando ainda estava no início dos seus oito anos. Quantas coisas vividas, quantas brincadeiras, quantos sonhos. Quando ainda em tempos de grupo escolar Carlos escreveu seus primeiros versos. Coisa boba, sem muito sentido, sem muito trabalho nas palavras, mas era a semente que nascia. Já se interessava pelas aulas de linguagem, era assim que se dizia na época, a professora adentrava na classe e num cavalete, dia a dia, ia desvendando lindas gravuras, que lhe despertava histórias, que até então estavam adormecidas. Cada composição que fazia era uma viagem, isso mesmo, composição: A professora dizia mesmo assim escolhendo uma figura: Hoje vamos fazer Composição à vista de uma gravura. Depois no curso ginasial eram os livros de português. Logo no início do ano, quando os livros chegavam, Carlos devorava página por página, cada poesia, cada história ali contidas. E havia poesias lindas. E havia histórias emocionantes. “Onde há poesia há amor, onde há amor há poesia”. As canções foram chegando uma a uma, uma verdadeira trilha sonora para todos aqueles tempos de vida. Os versos foram brotando como se fosse um sol adentrando janelas abertas por suas emoções. A família era todo amor e mesmo na simplicidade que os envolvia podia-se dizer que todos eram felizes. Belos anos dourados aqueles repletos de risos, sonhos e paixões. Afinal qual é o adolescente que não se apaixona. Quando um olhar vem de encontro, quando mãos se tocam, quando as pernas tremem e as batidas do coração calam a v oz que acaba morrendo na garganta. Assim era Carlos. Os anos foram voando calendários afora, como borboletas que despertas de casulos saem pela vida. Não se reconhecia mais como menino, já era um rapaz. O olhar de sua mãe apreensivo e triste, O seu pai enrolando o cigarro de palha talvez pra disfarçar a emoção daquele momento. Carlos parado ali frente à frente com a porta que dava para a rua, refletiu por instantes e se perguntou: Será que ainda sou capaz de fazer isto”? E agora Carlos! E agora! Da soleira pra fora, parecia-lhe um enorme abismo que ele estava prestes a entrar. As malas estáticas no chão. Os olhos lacrimejantes. Como era difícil dizer um adeus pra aquilo tudo. Mas era tão necessário. Por que será que os filhos crescem e tem que deixar o aconchego dos pais. Ainda que isso lhe passasse pela cabeça, sabia que era preciso encarar. Era preciso seguir Voltou-se tentando colocar um sorriso no rosto, que embora por mais que se esforçasse, tinha uma ponta de tristeza. Abraçou sua mãe como se quisesse retê-la pra sempre em seu coração. Depois se voltou para o pai e também mergulhou no seu abraço. Guardou pra sempre aquele retrato, os pais, os irmãos. Tomou as malas nas mãos e deu um passo. Pronto, agora era ele e o mundo. Quantas histórias ainda teria pra viver. O trem passando sob o pontilhão que era a o cartão de boas vindas da cidade, deu um longo apito. Carlos olhou as casas que pouco a pouco se distanciavam, sufocou na sua garganta um grito enquanto o vento espalhava lágrimas pela sua face. faustinopoeta 09/12/2017 – sábado - 16:45

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